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David Correia

Natural de Mirandela, David Correia não teve uma vida nada fácil. Foi vítima de bullying durante anos e considerou muitas vezes o suicídio. Chegou a escrever, inclusive, uma carta de despedida aos pais, uma carta que dá título ao seu primeiro texto, enquanto cronista da Kapital do NordestE. Mas David não é uma vítima. David é muito mais que isso. David é um sobrevivente, um lutador, uma fonte de inspiração, um exemplo de vida.

Apesar da violência física, verbal e emocional, David tinha um sonho, ser escritor. “Na altura, enviei textos para as mais diversas editoras e, pode parecer estúpido, mas eram textos que relatavam tudo o que sentia em relação à violência, tudo o que passei e o que estava a passar”, afirma. Após ter contactado várias editoras, a persistência deu frutos e o sim surgiu escrito pela pena da Chiado Grupo Editorial. “Não era o sim que esperava, mas o sim que precisava”, recorda. Era uma oportunidade para escrever com diversos outros autores. “E do nada, no dia 2 de outubro de 2018, dei por mim em Coimbra e, pela primeira vez, num mundo que jamais imaginaria estar”, conta, orgulhoso. E não é para menos. “Entre o Sono e o Sonho”, nome do seu primeiro livro, o livro que o tirou do anonimato, o livro que, por fim, lhe deu uma voz. Seguiram-se “Natal em Palavras”, “SMS”, “Liberdade” e “Três Quartos de um Amor”.

E como a Kapital do NordestE nasceu com esta premissa implícita no seu ADN, de dar voz aos jovens de hoje, o futuro do amanhã, de ouvir as suas preocupações e anseios, de descobrir novos talentos, de dar ao mundo novos escritores, quando o David nos contactou e partilhou o seu desejo de escrever para a Kapital não havia como dizer não. Sobretudo, depois de ouvirmos a sua história, o seu passado e, mais importante, a sua força, a sua coragem e o seu espírito inquebrável.




A CARTA DO ADEUS

Eu era uma criança quando tudo começou. Quando a violência física começou. Quando a violência verbal começou. Quando a violência mental começou.

Aos 12 anos já gozavam comigo, por ser “gordinho”, por ser diferente.

Todos os dias era agredido e sempre que acordava para ir à escola sentia em mim um vazio, uma vontade enorme de colocar um ponto final na minha vida, um desejo indescritível de cometer suicídio.

Todas as noites rezava para que o amanhã fosse diferente, sem agressões, sem humilhações. Tinha sempre fé de que, um dia, tudo iria acabar, mas foi aí que cometi o pior erro de sempre… Decidi desistir de tudo, desisti da escola e só ia à cidade para "enganar" os meus pais que pensavam que continuava a estudar. Foi então que ganhei um novo vício, o tabaco.

A maior parte daqueles dias horríveis eram passados a fumar sozinho, sentado numas quaisquer escadas, enquanto olhava para o rio. Não era mau de todo… Parecia até ter encontrado a solução, mas, dias mais tarde, o diretor de turma deu pela minha falta e contactou os meus pais. Foi assim que eles souberam que faltava às aulas. Foi assim que eles desconfiaram que algo estava errado.

Regressei às aulas e já na escola regressaram, também, as agressões. Nos intervalos, saltava as grades para o exterior, não só para ir fumar, mas também para tentar escapar daquele pesadelo. Era a única forma de sentir o mínimo de alívio. Foram trinta e seis meses de puro martírio.

No último ano, o terceiro como estudante do ciclo, aconteceu-me algo que nunca esquecerei, algo que jamais imaginaria… Fui agredido em plena aula, numa sala onde também estava o diretor de turma. E o que mais me custou foi reparar que nem ele fez nada, nem ele estava atento ao que estava a acontecer ou nem ele, tão pouco, queria saber. Nesse dia, estava tão, mas tão mal, que quando cheguei a casa consegui ganhar a coragem necessária para contar aos meus pais.

No dia seguinte os meus pais levaram-me ao médico de família. Extremamente revoltado, o médico aconselhou-me a denunciar a situação, coisa que eu fiz. Denunciei o caso à Escola Segura e nada foi feito. “Não temos provas”, argumentava o senhor que dizia ser agente de autoridade. Impotente, senti que a minha palavra não tinha qualquer valor. Mas foi quando ouvi: "São filhos de papás riquinhos, não podemos fazer nada", que eu fiquei extremamente doente, ao ponto de ter sido internado de urgência no Hospital Maria Pia, no Porto. E foi aí que começou a minha pior fase, a mais terrível, a mais dolorosa.

Muito pior do que alguma vez estive, isolei-me completamente e, sem ninguém saber, nasceu a minha primeira tentativa de suicídio. Aos poucos cortava-me, tomava comprimidos em excesso, mas nada acontecia. Estava dormente, em paralisia. Cheguei ao ponto de escrever uma carta para me despedir dos meus pais. E até ao fim dos meus dias, nunca, jamais irei esquecer a última frase, em que escrevia: “Apesar do que me está a acontecer, aqui não sou feliz, nunca serei, desculpem por ser um fraco e tudo isto ter de acabar assim, amo-vos”.

Os meus pais nunca souberam da existência desta carta.

 

A escrita, o refúgio, a saída…

 

Acabei por mudar de escola e fui para o liceu. Apesar das agressões físicas praticamente não existirem, quando comparado com o ciclo, era mais vezes agredido de forma verbal. Acabei por me isolar novamente, mais e mais, e foi aí que recorri à escrita. Funcionava como que uma espécie de refúgio e a verdade é que grande parte do meu tempo era ocupado a escrever.

Foi, então, que fiz o meu 9° ano e voltei a mudar de escola, desta vez, para o ensino profissional. Nesse dia, tudo mudou para mim. Finalmente, sentia-me em casa e em família, ninguém gozava comigo, nunca estava só. Ganhei força de vontade e emagreci, os problemas que tinha, esses, foram desaparecendo pouco a pouco com o tempo.

Após três anos na Consultua, tornei-me um profissional na área de eletricidade, mas, principalmente, tornei-me uma pessoa muito diferente, para melhor. Aí decidi tentar a minha sorte, procurar emprego, mas acabei por não conseguir. Mas há males que vêm por bem. Fiz a matrícula no IPB e consegui entrar em Turismo na EsACT. (Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo - Instituto Politécnico de Bragança)

 

A realidade atual. Nua e crua…

 

Os casos de bullying tem vindo a surgir cada vez mais, dia após dia.

Jovens em sofrimento, em desespero, que vivem no medo de enfrentar o mundo, medo de voltar a acontecer, medo de serem, novamente, agredidos.

Acontece a cada minuto, a cada dia que passa, onde quem é agredido sente que não está a fazer nada neste mundo, sente que está a mais…

Isolados no seu próprio mundo escuro, sem terem alguém que os ajude, muitas das vezes passam anos e anos a sofrer e a sobreviver, simplesmente, num inferno onde nada existe na sua alma porque alguém decidiu tirar pedaço a pedaço, roubar a sua dignidade, até não restar nada mais para tirar.

Um dia de uma vítima é tão pouco, é tão nada. É só mais um dia de medo, em que o chão da escola significa uma voz violenta, uma mão a descarregar toda a raiva no seu corpo inocente.

No pior dos casos, o hospital podia ser uma solução, mas, por mais que uma pessoa esteja mal, eles não ajudam ou porque não querem ou porque não sabem como. De ambas as formas, é sempre mau, pior que mau, péssimo, triste, uma vergonha.

Vivemos num mundo cruel, é verdade, num mundo que diz ser de “igualdade e direitos”, mas que a maior parte das vítimas não os têm. Vivemos num mundo que gira ao contrário, onde o mais importante é o dinheiro e não a felicidade de uma pessoa.

E então a Polícia? inventaram a "Escola Segura", mas que de segura não tem nada. Só verificam se os alunos vão ás aulas, mas não verificam que quem falta pode ter problemas sérios… Grande parte dos agressores são "filhos de papás ricos", em que um "não vale a pena" de alguém que diz ser agente da autoridade fala mais alto. E quem sofre continuará a sofrer, pois o seu caso acabou de piorar já que, agora, o seu agressor, muito provavelmente, já saberá da denúncia.

O suicídio poderá parecer a única solução para muitos, mas, definitivamente, não o é.

Antes de mais, existe o direito à vida, o direito a não deixarmos que alguém destrua a nossa como, também, não devemos, nem podemos, deixar sofrer as pessoas que mais nos amam.

 

Sozinho NÃO! Sozinho NUNCA!

 

A verdadeira solução é ser forte, pedir ajuda à família, mudar de escola, fazer novos amigos, mas, principalmente, pedir ajuda a um profissional de psicologia. O psicólogo não é para os "malucos" como muitos costumam dizer, um psicólogo é para ajudar quem sofre a tentar ser ainda mais forte, providenciando-lhe armas como a autoestima e a coragem para fazer face ao bullying, ajudando as vítimas a conquistarem um merecido controlo sobre a sua vida.

É com a ajuda dessas pessoas que se sobrevive. NUNCA SE ESTÁ SÓ. Temos sempre alguém que gosta realmente de nós e é por essas pessoas que temos, OBRIGATORIAMENTE, de ficar BEM.

 

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